O ano de 2023 tem sido desafiador para a conservação de solos no Paraná. Sob influência do fenômeno El Niño, o clima no Estado tem trazido chuva acima da média e eventos extremos de precipitação, como o temporal do dia 28 de outubro. Houve municípios que, em um único dia, registraram índices acumulados de chuva maiores do que os esperados para o mês inteiro. A situação acendeu o alerta da necessidade de se adotar as boas práticas agropecuárias.
A Região Sudoeste do Paraná foi uma das mais afetadas pelas chuvas extremas. Em Dois Vizinhos, por exemplo, choveu 296 milímetros em 28 de outubro, medido por uma das sete estações da Rede Paranaense de AgroPesquisa e Formação Aplicada (Rede AgroPesquisa). A média histórica dos últimos 30 anos é de 243 milímetros para o mês.
As estações da Rede AgroPesquisa estão em locais chamados de megaparcelas, com cerca de dois hectares cada uma, áreas rurais de sete municípios (Castelo Branco, Cambé, Ponta Grossa, Guarapuava, Dois Vizinhos, Toledo e Cianorte). Em cada local, uma parcela tem terraços e a outra não. Desta forma é possível medir como o uso desse tipo de barreira física, uma das boas práticas no manejo do solo, proporciona ganhos financeiros, ambientais e sociais — não só aos produtores, mas a sociedade.
Segundo o pesquisador responsável pela equipe em Dois Vizinhos, no Sudoeste do Paraná, Paulo Cesar Conceição, a estação de pesquisa com uso de terraços representou uma diferença significativa no escoamento da chuva. “Para esse evento específico do mês de outubro, a quantidade de água escoada nas parcelas com terraço representa 40% do volume, comparando com a parcela sem terraço. Isso significa que, usando terraços, 60% da água que seriam escoadas acabam ficando no sistema”, revela.
As amostras de água coletadas durante a chuva do dia 28 de outubro ainda serão analisadas para se constatar a quantidade perdida de nutrientes. Esse processo exige mais tempo por conta de uma série de procedimentos de laboratório para a mensuração dos dados.
Porém, dados da estação da rede de AgroPesquisa em Cambé, que já foram processados, dão a dimensão da diferença entre se usar ou não os terraços no quesito perdas com fertilizantes. De acordo com Tiago Telles, pesquisador da área de economia do Instituto de Desenvolvimento Rural (IDR-Paraná), em Londrina, de maio de 2019 a outubro de 2022, as perdas dos nutrientes nos sedimentos contidos na água escoada pela erosão foram de US$ 282 por hectare na parcela sem terraço e de apenas US$ 32 por hectare na área com terraço.
Para chegar a esse número, as perdas de nutrientes foram convertidas em fertilizantes comerciais e multiplicados pelos seus respectivos preços de mercado na data de cada evento erosivo. Os preços considerados foram os sistematizados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e os valores tiveram correção pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para dezembro de 2022 e convertidos em dólares (na cotação de 1 US$ equivalente a R$ 5,2171).
“Na área com terraço, os custos da erosão com as perdas de nutrientes foram 88,5% menores do que aqueles observados na área sem terraço”, afirma Telles. “Mesmo quando estávamos sob influência da La Niña, percebemos que nas áreas sem terraços agrícolas, o custo com erosão do solo já era significativo. Então imagine as perdas que temos ao não utilizar as práticas de conservação de solo em períodos de El Niño”, problematiza.
Nos últimos anos, com chuvas abaixo da média histórica, os problemas com erosão acabaram ficando em uma segunda ordem de preocupação dos produtores. “Agora, com as chuvas acima da média, esse problema voltou ao radar dos agricultores. A rede ocupa um papel relevante nesse sentido, pois gera dados que sustentam a comparação de modo científico e de modo a colaborar para o fortalecimento da cultura de se adotar as boas práticas agropecuárias”, aponta Bruno Vizioli, técnico do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
A coordenadora estadual da Rede AgroPesquisa, Graziela Moraes de Cesare Barbosa, reforça que os terraços têm se mostrado importantes tanto para manter mais água no sistema de produção quanto para evitar prejuízos com a perda de nutrientes. “Tudo funciona de forma integrada e o bom manejo de solos têm impactos desde a conservação das estradas rurais até os bons resultados nas safras. O círculo da economia rural começa com o cuidado com os solos”, aponta a pesquisadora.
A Rede Agropesquisa é formada pela Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab), Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná, Sistema Faep/Senar-PR, Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Estado do Paraná (Fetaep) e Sistema Ocepar.
Em agosto, a Rede AgroPesquisa em parceria com o Sistema FAEP/SENAR-PR lançou um livro considerado como a “bíblia” dos estudos do solo e de recursos hídricos no Estado. O livro “Manejo e conservação de solo e água” reúne dados do maior estudo envolvendo estes temas já realizado no país.