Batizado pelos pesquisadores de "fitocanibalismo", fenômeno foi identificado em uma plantação de pinheiros na região dos Campos Gerais, no Paraná. A situação decorre da baixa fertilidade do solo, que faz com que as árvores busquem nutrientes em troncos ainda em pé de plantas em estado de decomposição
Em meio a uma plantação de pínus (Pinus herrerae) em solo pouco fértil, na região de Jaguariaíva – nordeste do Paraná-, a natureza revela uma estratégia engenhosa de sobrevivência. Enfrentando as dificuldades impostas, as árvores buscam atalhos para a obtenção de nutrientes e suas raízes crescem em troncos de pinheiros em decomposição que, devido às condições do ambiente florestal, permanecem em pé por anos.
A baixa fertilidade do solo enfraquece as plantas e provoca rachaduras e lascas em seus troncos, proporcionando uma oportunidade conveniente para as árvores vizinhas. Quando suas companheiras sucumbem à morte, as raízes das plantas sobreviventes se estendem, desafiando a gravidade ao envolver os troncos em decomposição, criando um cenário batizado pelos cientistas de “fitocanibalismo” e uma evidente adaptação à adversidade ambiental.
A ocorrência foi descrita por pesquisadores da Pós-graduação em Ciências do Solo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e publicada no periódico científico Forest Systems.
Capacidade cognitiva das plantas é ampliada em situações e ambientes desafiadores
As pesquisas científicas têm demonstrado, cada vez mais, a capacidade cognitiva das plantas. Estudos recentes já revelaram que vegetais se comunicam entre si, manipulam espécies da fauna, reconhecem membros da sua família e são capazes de fazer escolhas. Esses comportamentos fazem parte das estratégias de sobrevivência das plantas, que se ajustam a condições ambientais extremas e definem as melhores opções para sua conservação.
O estudo da UFPR foi mais um a constatar o poder de adaptação desses organismos, descrevendo a habilidade de colonizar troncos ainda em pé de árvores mortas para obter nutrientes. O fenômeno funciona como um atalho no ciclo biogeoquímico de nutrientes em sistemas florestais, isto é, no processo de circulação dos elementos no ambiente para promover seu reaproveitamento.
Em ambientes florestais, as folhas de árvores caem sobre o solo e se acumulam, formando uma camada denominada serapilheira (ou serrapilheira), um estrato de matéria orgânica de origem vegetal e animal que se concentra sobre a superfície do solo.
Nesses ecossistemas, é comum que raízes de árvores colonizem a serapilheira para obter nutrientes, mas as raízes também são capazes de penetrar fendas de rochas, crescer em solos arenosos, expandir-se lateralmente para explorar o solo ao redor e até invadir o sistema de esgoto, em ambientes urbanos, à procura de água e de nutrientes, mantendo as plantas vivas nas condições menos prováveis de sobrevivência.
Como as florestas são formadas por árvores que crescem lado a lado, isso diminui a ação dos ventos e propicia que, mesmo quando mortas, elas permaneçam por diversos anos em pé, antes de cair devido ao apodrecimento da base.
De acordo com o orientador do estudo, professor Antonio Carlos Motta, na floresta de pínus analisada, algumas plantas morreram em função da baixa fertilidade do solo, também responsável por ter deixado elas mais fracas e mais sensíveis aos ataques de pragas e a doenças em geral.
“Assim, essas árvores apresentavam pequenas rachaduras na base que, com o passar do tempo, fizeram com que a casca se desprendesse do lenho, criando um pequeno espaço entre lenho e casca. As raízes que estavam na serapilheira aproveitaram as rachaduras na base da planta para entrar e expandir entre o lenho e casca, colonizando esse espaço. Antes mesmo de a planta cair sobre o solo, as raízes em volta já começaram a explorar os nutrientes das árvores mortas”, disse ele à Ciência UFPR.
Raízes que colonizaram árvores mortas cresceram metros acima da superfície do solo
Ao invadir esse espaço, as raízes cresceram criando um emaranhado que encobre o tronco morto, mas que ainda se mantém em pé.
“A análise química dos troncos e das cascas das árvores mortas indicou que as raízes das árvores vivas se aproveitam dos nutrientes liberados dos tecidos em decomposição. Os solos, naturalmente muito pobres na região, fazem com que as raízes de pínus explorem cada oportunidade de obter nutrientes”, descreve Julierme Zimmer Barbosa, estudante de doutorado na época da descoberta e um dos autores da publicação
O artigo revela que após oito anos e meio da morte das árvores vizinhas, as raízes das plantas adjacentes atingiram mais de três metros acima da superfície da serapilheira, ou seja, cresceram contra a gravidade, o que é considerado uma vantagem adaptativa, já que a camada superficial contém maiores quantidades de nutrientes, devido à decomposição e à mineralização de resíduos orgânicos.
“A supercapacidade de crescimento de raízes de pínus em busca de nutrientes vai muito além do que conhecíamos. Isso pode ser interpretado como um indicador de alta eficiência de aproveitamento de nutrientes em sistemas florestais com essa espécie”, avalia Barbosa.
Para os pesquisadores, o estudo amplia o conhecimento acerca da habilidade de crescimento radicular do pínus em ambientes sem solo e abre novas possibilidades de pesquisa sobre a ciclagem de nutrientes em ecossistemas florestais. Novos estudos ainda poderão avaliar como as variações do sítio florestal afetam o “fitocanibalismo” no pínus e se existem outras espécies com a mesma capacidade.